Concepção Soteriológica no Hinduísmo e no Cristianismo e as suas respectivas discrepâncias
Pr. Eliú Ferreira
Conceito de salvação no Hinduísmo
No hinduísmo a salvação está em unificar-se ao Brahman, esse considerado pelos hindus a “alma do universo”. Contudo, para conseguir juntar-se a esse deus, considerado por eles supremo, é necessário se libertar do samsara (ciclo do tempo e desejo, ou nascimento, morte e renascimento), ou seja, uma cíclica reencarnação. O carma, por eles chamado, é o que vai determinar toda decisão futura do individuo. “A pessoa cujo carma é bom pode seguir um dos dois caminhos possíveis. Quem consegue se libertar do samsara – o ciclo de nascimento e renascimento – alcançará os planos mais elevados de existência ou consciência até tornar-se um com o ser divino ‘no seu aspecto impessoal e, assim, chegar finalmente ao término da sua jornada’.”[1]
Para o povo hindu quem fez o bem, mas não alcançou a suficiência do mesmo, é encaminhado para outro céu, onde desfrutará das suas boas obras e quando esses frutos acabarem reencarnará, mas em um corpo adequado a um nível de existência superior. Conquanto, sendo o carma da pessoa mau, esse vai “… ‘para as regiões dos perversos para comer ali os frutos amargos das suas obras. Quando esses frutos se acabarem, ela também retornará à terra’ reencarnada.” [2]
Há no hinduísmo mediadores para a salvação como o avatar, o guru e o mantra.
Avatar – “… é a encarnação da realidade última – divindade – que se manifesta em forma humana, mas pode aparecer também sob a forma de outros seres, como nos animais sagrados, e desce à terra, quando há algum desvio ético, como está escrito na Bhagavad-Gita: ‘Eu sou imutável não gerado… Todavia, pela minha energia criativa, me associo à natureza que é minha e venho existir no tempo. Todas às vezes que a lei da justiça é instável e triunfa a ilegalidade, então eu me encarno aqui na terra…” [3]
O guru – “… é um componente importante na via da salvação, é o guia indispensável de quem procura encurtar os ciclos cósmicos. Verdadeiro mestre de espiritualidade com autoridade absoluta para seus seguidores é o guru que escolhe para o seu discípulo a divindade a ser venerada, a meditação a ser feita, a invocação ou mantra, fórmula sagrada, cuja meditação e repetição freqüente facilita o encontro com o divino e com a salvação. Ele pode receber, ainda em vida, honrarias e apelativos divinos de seus discípulos…” [4]
O mantra – “… instrumento indispensável no caminho da salvação, é a repetição e a meditação de frases místicas que interligam profundamente o humano ao divino. O hinduísmo insiste também na importância da vida moral ensinada pelos mestres espirituais. Os pontos mais importantes dessa moral hindu podem ser resumidos em: domínio de si mesmo, compaixão pelos outros, pessoas ou animais, e a esmola. No Bhramasutra, encontram-se outros conselhos, como a renúncia das coisas não reais deste mundo, uma nítida separação intelectual entre o eterno e o humano transitório, a prática das virtudes e o desejo intenso da salvação.” [5]
O hinduísmo é considerado a religião da salvação individual e do perder-se na divindade. Quando a pessoa consegue a libertação da Atman, a alma humana é reabsorvida por Brahman, então a mesma se torna um com o divino. “… A salvação, pois, consistiria no retorno da alma humana ao ser divino, o que produz uma participação finita na divindade.” [6] A salvação depende apenas dos esforços pessoais. A solução para ser salvo está em aderir um asceticismo demasiado.
“O homem, que está dominado pelas paixões, – diz o livro da Upanishad – por causa das ações, pode alcançar a finalidade de sua mente. Quando esgotou o efeito das obras que fez aqui, do outro mundo volta a esta terra para continuar a agir. Isso para quem é dominado pelos desejos. Mas, para quem está livre de desejos, quem já apagou seus desejos… ele já é brahma e se reúne com Brahma”.[7]
Conceito de salvação no cristianismo
Dentro da soteriologia cristão existem várias linhas de pensamentos sobre esse assunto; encontraremos a doutrina a) predestinação – onde Deus elegeu alguns entre a massa condenada para serem salvos, e a salvação só depende de Deus[8]; b) livre-arbítrio – o ser humano tem o direito de escolher se quer ou não a graça da salvação; c) universalismo – toda criação será restaurada, ou seja, todos serão salvos (no universalismo extremado é dito que até mesmo os anjos caídos serão redimidos). Entretanto, não temos como objetivo tratarmos sobre essas correntes, mais sim o conceito de salvação que intrínseca nas mesmas.
No cristianismo a ideia de salvação estar em morar nos céus, morada essa do Deus criador, do Deus soberano, do Deus Pai. A salvação implica em sermos libertos eternamente dos pecados, ou seja, tornar-se santo, puro, pois dessa maneira poderemos coadunar com Deus. Juntar-se a Deus não de uma forma hindu, mas sim de estar com Ele eternamente.
Para os cristãos, após a queda do primeiro homem, Adão, a humanidade ficou fadada a viver no pecado e dessa maneira ser condenada eternamente, mas Deus “… amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16) Nos versos seguintes está mais claro ainda a ideia de salvação para os cristão “… Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.” (17)
A palavra grega soteria, tem a ideia de cura, recuperação, redenção, remédio, bem-estar e resgate. Daí vemos a conotação de bem-estar da alma intrínseca no cristianismo. “A idéia de ‘salvar’, quando usada para indicar a salvação espiritual, fala do livramento do pecado, da degradação moral e das penas que devem seguir-se, como julgamento divino…” [9] Ser salvo implica em ser livre e, a noção de liberdade traz consigo, a saber: o perdão, a justificação, a transformação moral e a vida eterna, que consiste na participação na própria vida de Deus. É bom salientarmos que participar da própria vida de Deus, está no sentido de vivermos no seu “tipo” de vida.
Para alcançar a salvação o cristianismo prega a aceitação de Cristo como Filho de Deus e Salvador do mundo, Senhor de todas as coisas. Prega a negação de todas as coisas por amor a Cristo Jesus. A crença em Jesus Cristo é essencial para a salvação no cristianismo, e não basta apenas crer que esse existe, mas tem que se crer que Ele é o Filho de Deus, que veio em carne nascido de uma virgem, Maria, foi crucificado sob o governo de Pilatos, desceu até o mundo dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia e depois de quarenta dias ascendeu-se aos céus e estar a direita do Pai. E o único caminho para obter a salvação é ele, pois Jesus Cristo é o elo que liga a humanidade a Deus e por meio d’Ele alcança-se a salvação, ou seja, a libertação dos pecados.
Os meios da salvação “… nos vem através do arrependimento, da fé, da conversão(…) O novo nascimento é parcialmente realizado agora, mas o total novo nascimento consiste em nascermos dentro do reino de Deus, já como seres celestiais…” [10] A salvação aqui vem por meio da graça divina, mas é medida pela santificação “… Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor…” (Hebreus 12:14) Contrapondo contra todas as outras religiões, a salvação no cristianismo não se dar por obras legais, pois ninguém pode torna-se semelhante a Cristo, que é o alvo da salvação, mas pela graça, no entanto não existe nada que recebamos da graça de Deus à parte de Jesus Cristo, o Filho encarnado.
Para a pessoa ser salva é necessário passar pelos seguintes processos:
Regeneração – A regeneração é o nascer de novo. Para se ter acesso à família de Deus é necessário nascer de novo. (João 3:3-5)
Arrependimento – Esse está ligado a experiência da conversão, a conversão autentica é a prova da regeneração. Enquanto a regeneração é a obra de Deus no íntimo da pessoa a conversão é a exteriorização da salvação. (Mateus 3:1,2)
Fé – Outro aspecto que envolve o conceito de salvação cristã. A fé “… é o aspecto positivo da verdadeira conversão, o lado humano da regeneração…” [11] O arrependimento faz com que o pecador abandone o pecado, e a fé faz o mesmo se voltar para Cristo. (João 20:31)
Justificação – A justificação trata do posicionamento do homem perante Deus. Outrora pecador, mas através do sangue de Jesus Cristo justificado, ou seja, isento de qualquer culpa que havia sobre ele, o homem não deve mais nada para Deus. “É desta experiência que se eleva a necessidade consciente de que precisa corrigir sua posição, ajustando-se em termos justos e retos perante Deus.” [12] (I Coríntios 5:21)
Santificação – Assim como a justificação trata da posição do ser humano, a santificação trata do estado da humanidade. Na justificação somos declarados justo, por meio da santificação nos tornamos justos. A justificação “… é aquilo que Deus faz por nós, enquanto a santificação é quase exclusivamente aquilo que Deus faz em nós…” [13] Enquanto a justificação o crente se torna posicionalmente justo, na santificação ele se torna posicionalmente santo. (I Coríntios 1:2)
Conseqüentemente, podemos perceber as divergências que existem entre o hinduísmo e o cristianismo atinente a doutrina da salvação. O primeiro crer que a salvação está em se unir ao Brahman, ou seja, conseguir se libertar do cíclico samsaro, e chegar ao Nivarna – conhecimento supremo – e dessa forma tornar-se um com a sua divindade maior, Brahman. E essa salvação depende totalmente do homem. Os seus mediadores são vários, e pregam o ascetismo demasiado para alcançar esse estado de glorificação. Contrapartida, o cristianismo acredita que a salvação estar em tornar-se livre por completo do pecado, ser glorificado por Deus através do seu Filho Jesus Cristo, e participar do mesmo “tipo” de vida d’Ele.
O hinduísmo prega vários mediadores para chegar à salvação, todavia o cristianismo apresenta apenas um, Jesus Cristo e esse crucificado. Discrepando do hinduísmo, o cristianismo trata com despeito qualquer esforço humano de obter a salvação, pois essa se da apenas pela graça de Deus, o Seu favor imerecido a todos os homens. Para os hindus o processo de reencarnação é inevitável, entretanto, para o cristianismo: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo…” (Hebreus 9:27).
Deste modo, para a religião hindu a salvação está em perder-se no divino, e para o cristianismo a salvação está em viver o mesmo “tipo” de vida de Deus o criador dos céus e da terra, e não só criador, mas sustentador.
[1] GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética. p. 384
[2] IDEM.
[3] http://www.pimenet.org.br/mundoemissao/relhindusalvacao.htm
[4] IDEM.
[5] IDEM.
[6] CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Volume 3. p. 116
[7] http://www.pimenet.org.br/mundoemissao/relhindusalvacao.htm
[8] Essa corrente se divide em dois grupos, sendo eles: moderados e extremados. O primeiro grupo prega o infralapsarianismo – a eleição se deu pós-queda. O segundo grupo prega o supralapsarianismo – a eleição se deu antes mesmo da criação do homem.
[9] CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Volume 6. p. 54
[10] IBID., p.55
[11] BANCROFT, E. H. Teologia Elementar. p. 242
[12] IDEM.
[13] IDEM.