Caráter? Mais uma palavra usada por muitos, mas compreendida por poucos. Sendo assim acredito ser de extrema relevância todas as pessoas compreenderem como se dá a formação do caráter, alias, se faz necessário no mínimo saber o que o mesmo representa. Estereotipar um e outro de “bom” ou “mau” caráter é uma situação muito comum em nossos dias, mas ainda mais vulgar é a associação que uma grande maioria faz de que uma pessoa com caráter automaticamente é alguém bom, confiável, digno de respeito e valorização, enquanto que aquela que não possui essa identificação (como se fosse possível um ser humano não possuir essa coisa que lhe marca como indivíduo) é reconhecida como ruim, desconfiável, indigna de respeito e valor.
Formação do Caráter[1]
A dificuldade de se entender o que está acontecendo com a sociedade dos nossos dias talvez se encontre, justamente, na falta de compreender como se dá a construção do caráter do individuo, pois sabemos que essa marca projetará o ente a um relacionamento saudável ou não nos meios que estiver inserido. Por isso é de responsabilidade dos adultos exercerem influencias sobre essa geração que está sendo formada, na tentativa de forja nos mesmos uma sensibilidade perceptível da moralidade universal, ou seja, fazer para o seu semelhante aquilo que sua racionalidade quer que ele faça para você.[2]
A discussão sobre a formação do caráter, acredito, deve-se começar após o nascimento da criança, pois a partir desse evento a mesma estará exposta as experiências do dia a dia e é esse convívio que funciona como uma cinzelação para alcançar a formação do mesmo. A sua própria definição significa qualidades do indivíduo sejam essas boas ou más. Essa estruturação determinará como o ente irá interagir com o mundo, ou seja, indicará sua orientação interpretativa cognitiva fundamental do mundo (cosmovisão).
Permita-me utilizar um exemplo bem simples. Quando uma criança está passando pelo período de amamentação ela percebe (não de maneira lógica) ser o choro um gatilho para ter sua necessidade suprida no primeiro clamor, pois todas às vezes que age dessa forma causa uma reação imediata na mãe. Logo a mãe não estará ensinando a criança a se frustrar, e isso não é bom, porque a frustração é algo imprescindível no mundo da vida. Não estou com isso promovendo incentivos para negar à amamentação, apenas entendendo ser necessário evitar a abundância e a escassez procurando sempre o equilíbrio, a moderação.
É bom salientar que o caráter não é algo que se possa ser ensinado por nós, mas sim pelos acontecimentos e experiências que a criança vai vivenciando. Essas questões são introjetadas e elaboradas por aquele que está vivendo e a partir daí ele reagirá ao mundo com aquilo que foi marcado em si. Por isso é comum em uma família onde a criação é a mesma para todos os filhos, e ainda assim, um interagir de maneira diferente do outro com o mundo que lhe circunda. Isso acontece devido ao fato de que cada um interpreta e absorve os acontecimentos do dia a dia de maneiras diversificadas, mesmo o ambiente sendo o mesmo, a individualidade não permite com que os “óculos” de todos sejam iguais.
Dessa forma podemos afirmar que a formação do caráter se dá na interação com o meio, que refletirá na construção subjetiva do sujeito e a reação frente à faticidade da vida. Cada um se lançará ao mundo com aquilo que ele mesmo formou. É nesse ponto que podemos afirmar que alguns formam um bom caráter e outros um mau caráter. Então a pergunta sobre os modelos que essa pessoa teve se torna inevitável, ou seja, quem conseguiu causar mais influência sobre essa criança. Já que não podemos ensinar o caráter, devemos tomar o cuidado de acompanhar esses que queremos formar e de uma maneira cuidadosa inculcar no mesmo os valores que acreditamos serem os corretos.
Dessa forma se faz necessário sabermos que tipo de artistas estão influenciando as nossas vidas, pois quanto mais informações recebermos deles, a inclinação para escolhermos ser iguais a eles serão cada vez maiores. Os artistas cristãos precisam saber que o meio evangélico está repleto de bons artistas adoradores que podem nos transmitir as informações corretas para desenvolvermos um caráter cristão.
A Constante Mutação do Ente.
Falemos agora do aperfeiçoamento do caráter religioso do individuo, afinal de contas esse é o objetivo maior. As influências externas são muito fortes sobre o indivíduo. Vivemos num país considerado laico, e essa miscelânea religiosa têm causado muitos impactos na formação do caráter do sujeito e o cristianismo acaba sendo considerado apenas mais uma nesse aglomerado. É claro que tudo isso dificulta a possibilidade de um aperfeiçoamento, pois verdadeiramente as pessoas estão sem rumo, sem direção. Entretanto, sendo a teologia cristã a teologia[3] deve servir para extinguir do ser humano a dubiedade e lhe garantir a certeza do viver com Deus. Essa teologia precisa cooperar para que as pessoas cresçam espiritualmente e abandonem toda má formação religiosa.
Essa argumentação deixa bem claro que o caráter é algo que pode ser transformado constantemente, principalmente quando consideramos o ser humano como alguém que está em constante mutação, e essa transformação precisa conduzir o mesmo a um aperfeiçoamento. Sendo assim, dizer que existe um período exato para a conclusão formativa do caráter é determinar falacioso o axioma aqui proposto. Todavia, existem momentos de maiores importâncias para o início dessa formação, e os mesmos se encontram nos primeiros anos de vida.
O novo convertido precisa entender que suas construções religiosas necessitam ser desconstruídas para assim começar um aperfeiçoamento, entender que estamos em um processo continuo de mutações. Quando nos agarramos a um conceito sem nenhuma probabilidade de revê-lo estamos nos fechando para o crescimento, pois acreditamos ter alcançado a perfeição. E é o que acontece com muitos que estão entregando suas vidas para Cristo, os mesmos abrem suas malas sincréticas e fazem uma seleção do que querem e não querem deixar para trás.
Nesse momento fica clara a necessidade dos modelos. Acredito que a mudança só será possível frente a uma influência modelar forte, porque o simples falar não encontra força diante da muralha idólatra das convicções da própria espiritualidade. Não sei até que ponto o véu do templo ser rasgado proporcionou benefícios para a humanidade. Mas se o simples falar não tem força para tal tarefa, então o que teria essa força? A resposta é clara: não apenas possuir uma filosofia estudada e nem uma religião criada, mas vivê-las intensamente. As atitudes têm muito mais valor do que as palavras. Se cada um é responsável pela sua própria formação de caráter, é obvio que o seu aperfeiçoamento também. Isso significa questionarmos o que temos introjetado dos acontecimentos e experiências vividas por cada um de nós? Como temos interagido com o mundo religioso que nos cerca? Quem são os nossos heróis?
Já passou da hora de deixarmos de falar que aceitamos a Jesus, o Cristo, como nosso único salvador e passarmos a viver essa afirmação, pois a prática, a interação, a vivência, como já afirmamos na introdução desse texto, serve como cinzelação para a formação e aperfeiçoamento do nosso caráter. Quanto mais nos dedicarmos a mensagem kerigmática do evangelho mais sensíveis seremos a Deus e submergiremos nele.
Considerações finais:
A insistência faz parte da peça do motor que movimenta o ser humano ao aperfeiçoamento em qualquer área da sua vida. Concernente ao caráter isso não é diferente, ou seja, é preciso persistir em falar a mesma coisa por várias vezes até que a pessoa comece a entender que algumas das suas formas de relacionamento com o mundo não se enquadra nas diretrizes cristãs. O que comumente acontece é o seguinte: a pessoa aceita a Cristo como salvador e procura o pastor como figura para ajudá-lo a aperfeiçoar o seu caráter, contudo ao ser cobrado ou lembrado algumas vezes sobre a necessidade de mudança em um comportamento costumeiramente realizado, o mesmo fica chateado e de forma abrupta diz que já sabe e que não precisa ser lembrado disso novamente. Como ajudar alguém que procura ajuda, mas não quer ser ajudado? Quem Entende?
[1] Não tenho a intenção de apresentar uma pesquisa aprofundada a respeito do assunto, entendendo ser o suficiente apontar o caminho que nos direcionará aos primeiros passos para compreensão desse tema.
[2] Alusão à famosa Regra de Ouro, mas a utilizo aqui na estrutura positiva, isso é, na forma cristã.
[3] Paul Tillich em sua Teologia Sistemática afirma que: “A base dessa reivindicação é a doutrina de que o Logos se tornou carne […] no evento ‘Jesus como o Cristo’. Se esta mensagem é verdadeira, a teologia cristã recebeu um fundamento que transcende o fundamento de qualquer outra teologia e que não pode ser transcendido […] A teologia cristã é a teologia na medida em que se baseia na tensão entre o absolutamente concreto e o absolutamente universal.” (p. 33)