Livro Cruz Nossa Responsabilidade (Pr. Eliú Ferreira)
Crucifica-o! Crucifica-o! Eis o único grito que se poderia surgir de uma grande massa enlouquecida. Enlouquecida ou apaixonada, tanto faz, pois a perca da sanidade se assemelha à paixão, ambas têm força suficiente para levar a radiante luz da razão ao enegrecimento e trazer claridade para o abismo da ignorância, falsificando assim, a feiura em beleza e o belo em ridículo. A paixão, assim como a ignorância, faz a coisa sem sentido parecer tornar-se cheia de sentido. Por isso volto a afirmar, chamar aquele povo de louco ou apaixonado seria a mesma coisa, pois em sua ignorância se tornaram amantes da feiúra, se agarrando a ideias fixas, idolatrando mentes alheias e se permitindo influenciar-se por fariseus e mestres da lei obcecados pelo poder. Como dizia o velho Bruxo do Cosme Velho[1]: “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho…”.
Crucifica-o! Crucifica-o! Palavra holofote, reveladora dos adeptos do barrabismo, movimento enaltecedor da insurreição em detrimento à paz, apologista de assassinos e acusador de inocentes, odiosos do Bom, amantes do Mau. Tudo bem! Se Jesus, o filho do carpinteiro, não fosse deveras o Messias, mesmo assim qual foi o mal realizado por Ele para sofrer morte de cruz? O que sabemos sobre Ele está nos sinópticos e no evangelho joanino. Leia e descreva para mim todo mal causado por Ele à humanidade. Tudo bem! Se Ele não fosse deveras à exata expressão de Deus entre os homens, quantos outros se posicionaram como Deus e não foram perseguidos por esse movimento? Os próprios fariseus e doutores da lei que não mediram esforços para arrancarem o fôlego de vida desse homem, podem não ter falado em voz audível, mas, a postura era daqueles que acreditavam estar “sentados no trono de Deus” para julgar a nação. Você conhece alguns desse tipo?
Ai está à primeira característica daquilo que estou chamando barrabismo, ou seja, movimento suscitado para defender personagens ruins, não importa o mal feito por esses, o que tem relevância é matar o inocente em favor das leis imóveis.
Solta-o! Solta-o! Grita os ignorantes; talvez muitos ali, nem conheciam Barrabás e o que ele fez, mas, poderíamos esperar mais o que deles? Afinal, não revelavam simpatia pelo assassino e sim ascos pelo inocente. A falta de ciência é marca intrínseca desse movimento. É como uma doença necessitada de um antídoto existente, porém ignorado por eles, preferindo permanecer na escuridão, ou fingir o desconhecimento do remédio para a cura. Esse mal lhes aparece como benéfico: perseguir a coisa certa, mas com objetivos errados e resgatar a coisa errada, mas com objetivos corretos. Jesus, o Cristo, versus Barrabás, diferença descomunal, assim mesmo foram capazes de pedir a crucificação do inocente.
Este é aquele momento que você relembra a história e pensa: absurdo! E por ser um absurdo, acredita não ser hábil o suficiente para realizar tal escolha. Mas eu me pergunto todos os dias se não abraçamos a causa do barrabismo quando, por exemplo, preferimos o afastamento de alguém da comunidade em defesa das nossas leis. E já perceberam que tais leis são sempre proibitivas! Vivemos verdadeiramente o reinado do NÃO[2].
Os da causa de Barrabás têm como recompensa, a quem oferece amor, à crucificação, pois eles não sabem amar. Propõem à morte aos doadores de vida, porque não sabem viver. A maldição em detrimento à bênção, pelo fato de não saberem lidar com coisas boas. Espancamento, humilhação e zombaria, pois são incapazes de receberem a cura, de serem exaltados e receberem elogios como: não vos chamo mais de servos e sim de amigos. Tudo isso é convidativo demais para requerer a glória para si e não remetê-la para Deus.
Esse movimento carrega em si outro aspecto interessante, a saber, os próprios Barrabás. Mulheres e homens que abrem mão da sua cruz e da sua culpa, pelo simples fato da multidão estar lhe aclamando. “Soltou o homem que eles queriam, aquele que tinha sido preso por revolta e homicídio, e entregou Jesus à vontade deles.”[3], Note que no texto o culpado não expressa nenhuma tentativa de defesa a favor do inocente, simplesmente recebe a isenção da culpa como se fosse digno da dela. Posso imaginar meu amigo leitor, a felicidade invadindo o âmago de Barrabás, desse morto que ressurgiu das cinzas quão grandemente Fênix alçando os braços em festejo a liberdade. Pobre infeliz, não entendia que era tão insignificante para a multidão, quanto o homem sem culpa que deixou de defender. Se Pilatos não o chamasse e lhe colocasse em frente aos apaixonados, mas convocasse outro culpado qualquer, esse primeiro morreria do mesmo jeito, pois o barrabismo não invoca a Barrabás, e sim a morte do inocente.
O barrabismo apresenta-nos os Barrabás, pois todos abdicam da sua culpabilidade e pena de morte, para matar os inocentes. O pai desse movimento já estava sentenciado, mas quando aceitou sem murmurar a oportunidade de Pilatos, tornou sua pena mais pesada ainda. Assim são seus filhos, sabem que já estão condenados, todavia vivem a procura de uma multidão que possa resgatá-los, acreditando que conquistarão a liberdade e a vida, entretanto, como ignorantes, seguem os passos do pai decretando a morte de Deus, e não querem entender que o único que pode livrá-los da condição de condenados é o Cristo.
Eis a segunda característica desse movimento, a saber: rejeitam o que merecem, não por causa da graça divina, mas sim, por causa de si mesmos, pois acreditam que valem alguma coisa para os seus aclamadores. Se vendem por favores humanos, buscando o reconhecimento dos mesmos. Não querem ajudar os necessitados, dizem eles: “é a lei, então tem que cumprir”! Não querem estender as mãos aos famintos, dizem eles: “não podemos querer abraçar o mundo, isso é impossível”. Estão querendo milagres, mas suas dispensas estão cheias, suas casas são enormes, seus carros os melhores e suas roupas são de grife. Ora, o que precisam para começarem a lutar em favor daqueles que carecem? Permita-me responder: a meu ver, precisam começar a pensar Cruz Nossa Responsabilidade. Quando assumir a sua cruz, então se afastará do barrabismo e decidindo pela transformação do seu caráter de Barrabás para o do Cristo, passarás a ser do cristianismo, isto é, CRISTÃO!
Outro aspecto desse movimento é a propaganda da busca pela felicidade, por isso quero que pense comigo meu caro leitor, se a mensagem da cruz não serve como um remédio antibarrabismo destinado a aliviar a melancólica humanidade que há séculos corre desenfreadamente atrás dessa tal felicidade,
atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura – nada menos que a quimera da felicidade –, ou lhe fugia perpetuamente, ou se deixava apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão. (Machado de Assis)
Invoquei esse pequeno trecho do texto Delírio, contido no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, acreditando conseguir provocar-lhe a refletir sobre essa tal felicidade desejada por todos. Não existe um ser humano que não a procure, por isso , vai-se tentando, pois não é fácil alcançar a felicidade. “Podemos nos enganar no caminho, tomar a direção errada; quanto maior a pressa, maior a distância” (Sêneca).
A procura por ela é o que norteia a vida do ser humano, tudo que se faz, faz com um único objetivo, ser feliz. As decisões deliberadas estão fundamentadas no conceito de felicidade que se tem, por isso é possível negar e aceitar constantemente de maneira egoísta. Contudo, quanto mais se acredita fazer as escolhas corretas e, dessa forma, se aproximar da mesma, percebe-se mais tarde estar ainda mais distante!
Talvez isso aconteça porque não nos foi esclarecido o que de fato venha ser a felicidade. Corremos atrás de um vislumbre da vida feliz, na verdade, procuramos alguma coisa que não sabemos o que é, e dessa forma nos lançamos em uma aventura às cegas, um caminho sem paradeiro, uma vida sem sentido, sem objetivos.
Quando se pensa em felicidade, acredita-se ser algo que nos satisfaça, pois é essa a noção que se têm sobre esse tema. Existe uma ditadura da felicidade, uma obrigação de ser feliz. Todavia essa situação não é nascida de dentro do próprio indivíduo, mas é algo inventado de fora para dentro. Isso me leva a acreditar que muitos não conseguem viver felizes, porque o mundo fora dele é imenso e jamais conseguirá dominá-lo.
Mas nós, os cristãos, não devemos buscar essa sombra da felicidade. Makários é o termo utilizado por Jesus para descrever o que venha ser esse instante perene na vida do crente. Makários se refere a uma felicidade que excede às circunstâncias, que tem a ver com o profundo sentimento de paz e alegria que todos os que foram abençoados com a salvação em Cristo e seu Reino devem sentir e desfrutar, mesmo em meio às aflições e conflitos. Makários refere-se a algo que nasce dentro do próprio ser e não algo que lhe é imposto. Ou seja, para encontrar a felicidade basta olhar para dentro de si e perceber, de maneira misteriosa, que o Cristo é o suficiente. A felicidade a partir do Sermão da montanha significa a capacidade de olhar a vida como ela é e não desviar o olhar para alguma forma de realidade para além da que se está vivendo, exemplifico: se você tem alguém que está preso num vício é preciso olhar para ele nessa condição de viciado e não desviar o olhar criando um mundo onde ele não esteja acorrentado ao vício, pois a maneira de ajudá-lo e considerando a situação e aprendendo a lidar com ela. Eis ai Makários!
O barramismo prega o contrário, afirma que devemos estar olhando sempre para fora de nós, criando mundos paralelos, pois o que nos completa precisa ser conquistado, o que nos satisfaz está distante e por isso a necessidade de correr e correr em busca de alguma coisa; coisa essa que ao ser alcançada, logo perde sua relevância e significação nos fazendo voltar a perseguir outra coisa.
Resumo
Nesse ponto propus uma interpretação da conhecida história de Jesus versus Barrabás. A intenção foi afastar nossos olhos do personagem Barrabás e voltarmo-nos para a multidão caracterizando-a como um movimento que qualquer um de nós podemos fazer parte direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente e para sabermos se estamos inseridos nele, basta apenas nos preocuparmos com três marcas desse movimento, onde a primeira é “matar o inocente em favor das leis imóveis” a segunda “rejeitar o que merecíamos”, ou seja, se estivermos aclamando o mal em detrimento do bom e não sendo capaz de reconhecer as nossas culpas, então tudo indica que somos um barrabista. E a terceira “insistir que a felicidade está para fora de nós”, como, por exemplo, no caso de Barrabás, a felicidade estava em ser solto. Porém isso está mais para alegria, isto é, um instante de vibração na alma.
[1] Joaquim Maria Machado de Assis recebeu esse apelido. “Bruxo” pela criatividade, por aquela espécie de feitiço que se encontra na obra dos grandes artistas, “Cosme Velho” por ser este o bairro do Rio de Janeiro em que ele viveu os últimos anos de sua vida.
[2] Leia o livro “É Proibido” de Ricardo Gondim.
[3] Conferir Lucas 23:25